Tradução: O país sem mar - Kino no Tabi


Fala galera, é o Heinrich.

Hoje a Kurohane traz para vocês um excelente conto do vigésimo volume de Kino no Tabi, uma série de light novel escrita por Sigsawa Keiichi.
A introdução/análise e a tradução foram feitas pelo tancruz e a revisão foi feita por mim, Heinrich K.

Introdução e Análise

A obra possui formato de conjunto de contos ao longo de seus atuais vinte e um volumes, cada volume conta com, em média, doze contos (até o 15º volume havia um total de 210 contos em 2015, atualmente passam de 300). A série de livros começou sua publicação em 10 de março de 2000 e continua até hoje, 2017.
Cada conto retrata um país diferente com uma cultura única que diversas vezes são críticas a modelos de construção de sociedade ou do próprio humano, como a crítica ao fordismo em “Os três homens em cima dos trilhos – On the rails” ou crítica ao regime de maiorias em “O país dos canhotos – Do the RIGHT Thing!”.
A obra tem certo reconhecimento no Japão, pois foi o primeiro romance leve (light novel) a ser publicado em um jornal semanalmente, conforme foi dito pelo autor no prefácio do volume 17. Além de ter duas adaptações em animação, a primeira em 2003 e a segunda em 2017.
Os personagens centrais da obra são Kino e Hermes, porém há outros viajantes. Kino é uma jovem com cerca de 13 anos de idade que devido a certas circunstâncias teve que abandonar seu país. Por sua vez, Hermes é uma motorrad que tem a capacidade de falar, mas não faz nada sozinho, é um acompanhante para Kino. Ao colocar esse elemento fantástico na obra, Sigsawa introduz a premissa de que é um mundo ficcional, ou seja, não existem mais de 200 países no nosso mundo, nem motos falantes. Mesmo assim, trabalha com temas do nosso mundo de maneira crítica e reflexiva.

O conto a ser traduzido será do 20º volume, lançado em 2016, o “Umi no nai kuni” (“O país sem mar”); cujo subtítulo é “Can You Sea Me”. Um recurso artístico que o autor faz em todos seus contos é utilizar subtítulos em inglês com algum jogo de palavras ou truques para que o leitor tenha um pre-reading esperando algo da obra. Podemos ver n’O país dos canhotos citado acima que ele utiliza o right em duplo sentido entre “direita” e “certo” da língua inglesa. O mesmo acontece n’O país sem mar, os fonemas da palavra “Sea”, na língua inglesa se confundem com o do verbo “see”, isto é, “ver”. Assim, dando a ideia ambígua entre “não há mar para ver” e a pergunta “você consegue me ver?”. Contudo, “mar” ganha um novo sentido durante o conto que aumenta ainda mais a ambiguidade entre o título e seu significado.
Então temos o tema central deste conto, a arrogância humana e preconceito.
Apesar do país ter ligação e dependência direta com a natureza, os habitantes creem que somente humanos têm coração e sentimentos, tudo que não for humano é um mero objeto a ser usado por eles, uma visão similar à do homem no Renascimento – homem como centro do mundo, antropocentrismo.
A obra contesta em seu desfecho qual seria a essência humana. Isto é realizado na atribuição de características humanas, através da personificação, ao mar. Consequentemente, o leitor é provocado a pensar num campo metafísico sobre: “o que faz o mar ser mar, o que faz o humano ser humano”.

“O país sem mar” – Can You Sea Me?

Esse pequeno, pequeno país está situado no centro de um enorme, enorme continente.

Seus arredores eram altas e íngremes montanhas, um lugar de difícil acesso para qualquer coisa que não seja o verão. As pessoas deste lugar usam elementos da natureza, criação de animais e plantações agrícolas, para viver tranquilamente.

Disseram que a Kino é a primeira viajante a chegar ao país depois de um intervalo de cinco anos e oito meses. Ela recebeu muitas boas-vindas.

Entretanto, Hermes foi recebido de maneira extremamente rude. Mesmo que consiga proferir palavras, não é humano, fora tratado como uma “coisa” que não tem coração. Ele até sofreu risco de não ter permissão para entrar no país.
“Grrrr!”
“Acalme-se, acalme-se, Hermes.”

Em razão da nova convidada, um grande festival foi aberto.
E, claro, Hermes ficou do lado de fora do prédio. Estava chovendo bastante.
“Grrrrrrrrr!”
“Aguente um pouco, Hermes.”
O chefe do país, que estava na frente de uma multidão de cidadãos, fez uma pergunta à Kino, após ela se deliciar com o banquete oferecido.
“Viajante, por favor, diga-me – O que é o mar?”

Todos eles, desde que nasceram, nunca tinham visto o mar nem uma vez sequer. Nem há planos para o verem também.
Várias décadas atrás, eles ouviram de um viajante sobre a existência do mar e ficaram muito animados. E pensar que existia algo tão grandioso neste mundo.
Eles ficaram curiosos sobre o mar. Sempre ouviam as histórias dos viajantes que chegavam. Havia os que também não conheciam nada sobre o mar, mas também havia aqueles que conheciam. Ouviram as histórias, algumas vezes até pinturas e fotos foram-lhes mostradas, porém...
“É um lugar bem largo repleto de água salgada – Nós já entendemos isso, mas não conseguimos entender a essência disso. Por favor, diga-nos o que é o mar. Com palavras que nós possamos entender. Com palavras que nós possamos ensinar a qualquer pessoa a partir de agora.”

Kino começou a pensar profundamente.
De barriga cheia, o estômago inchado faz com que o raciocínio não trabalhe direito, com vários pratos na sua frente, Kino pensava com tudo que podia.
Contudo...
“Não importa o quê, falta algo...”
Ela não conseguia encontrar palavras para passar a essência do mar de maneira simples.

Ao ver Kino angustiada, esta pessoa também não conseguirá, pensaram os habitantes franzindo suas faces, mas nesse momento...
“Ah é! O mar é—”
Do lado de fora, Hermes, que estava completamente ensopado, falou com uma voz alta e sem hesitação.

No ensolarado dia seguinte, após todos os habitantes darem a despedida à Kino e ao Hermes—
Foi iniciada a construção de uma pedra monumental.
Nesta pedra foram cravadas palavras para que continuem a ser sempre, sempre transmitidas.

Depois disto, vários anos, várias décadas, não, não sei ao certo quantas centenas de anos se passaram, mas—
Ainda agora, nesse país, uma grande pedra monumental guarda as seguintes palavras:

“Em nosso país há Mar.
O Mar é o coração.
Se existem tempos de calmaria, há também momentos de agitação.
Se existem tempos em que ele te envolve, há também momentos em que ele te nega.
Mesmo que só seja possível tocar em uma parte, ele se expande para o infinito.
Sempre continua com a mesma aparência, mas nunca para de mudar.”

Na parte de trás da pedra monumental, com uma letra maior do que a da frente, estava escrito assim:

“Essas palavras foram passadas para nosso país por algo que possuía coração, mas que não era humano.”

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